Carlos Lyra: Her

Herói do medo, no tenho medo
Do próprio medo que me torna herói
Com minhas regras eu fao o jogo
E logro um nico parceiro: eu
Eu sou o primeiro e sou o ltimo
Mas no assumo a condio humana
E me proclamo meu soberano
Na solido despótica de um Deus
Herói do medo escrevo as tbuas
Da autoridade que repousa em mim
Pra que na terra no a despertem
Vou caminhando, em sonho, sobre as guas
Meu rastro assombra os ces de fila
E rende as preces das mes de famlia
Mais prevalece minha arrogncia
Entre animais, mulheres e crianas

Herói do medo, firo e difamo
E me alimento da fraqueza humana
Com altivez eu dou e tomo
Mas no recebo nunca o oferecido
Ningum me d do que sou dono
Porque eu possuo sem ser possudo
Se basta olhar-me em seu reflexo
Por que integrar-me inteiro no Universo?

Herói do medo, odeio a me
Por ter nascido e odeio mais a amante
Por ter amado; que h de sofrer
Pra que se avilte e h de morrer pra que eu
Me ressuscite em liberdade
Pois entre dois amei a mim somente
E as mulheres, so para o herói
O passatempo estril dos covardes

Herói do medo, imolo a vtima
Que aplaca a vida ntima do herói
E aos vencidos (compatriotas)
O meu desprezo, porque nas derrotas
No movo um dedo por impedir
Com vencedores eu me identifico
E justifico conquistadores
Por seu direito extremo de oprimir
Herói do medo, execro o mundo
E a humanidade, sem lhe ver a face
Pretendo ao prmio sem correr riscos
E conquistar a glória em luta fcil
Do comodismo desta moral
Falta de ao, mas pródiga de gestos
Lano um olhar ao meu passado
Me paraliso e me converto em sal ...